28 de setembro de 2008

à deriva mesmo sendo nauta


"Barcos de pesca no mar", de Claude Monet


sem luneta ou escotilha
não soube vislumbrar
que na paisagem de todo mar
há desvãos abissais
qual propõe o amor a
corações desiguais

erradio em semelhança
a um barco sem quilha
naquele índigo mergulhei
soçobrando na armadilha

nem uma cor sequer


"Rimbaud", Pablo Picasso

em esboços sem
lápis, pena ou paleta
a tristeza me lograra
nem mar ou terra
por morada

então ao sol em seu
sobe e desce escada
perguntei à custa de
quanto guache e água
o azul se perfazia

eu que hoje inexorável
à têmpera de setembro
ou à própria poesia

o gris riscando em mim
qualquer nuance
além do tom nanquim

27 de setembro de 2008

de mais um dia que me escapara


"Nuvem e Serra", Henrique Coutinho

mais que silhuetas
de aves e moinhos
ou nenhuma sílaba
costumeira
silente o poente rubricava
o cimo da paisagem

eram brisa e tarde
em torvelinho
eu por réu e testemunha
sem saber conjugar ao certo
tempo e modo meus
de existir

20 de setembro de 2008

do que se perdera na estação anterior


Claude Monet

eu tateava setembro
e sem panegíricos ao sol
o azul já não me reinava
então absoluto

da minha lira esmaecida
indagava-me uma nota
sobre aquele coração que
antes decifrava os ventos

onde eu o deixara ou
onde ele se perdeu
aquele moinho de sonhos
que outrora girava
dentro do peito meu

9 de setembro de 2008

o zodíaco de quando cheguei aqui


"Mãe e criança", Pablo Picasso

novembro anunciava
eclipses quando nasci
numa quarta-feira, manhã
de vinte e nove labirintos
certamente que um dia
roubado da primavera
de anjos que se ausentaram
ou de sol em desalinho

um instante de pássaros
endereçados ao nada
frágil gládio de velas com
o horizonte confrontado
tudo assim denunciado
nos arabescos do destino
e no azul não se desenhava
nenhum luminoso vaticínio

7 de setembro de 2008

o que me vai na algibeira


"O semeador", Vincent van Gogh

pouco depois que nasci
concedeu-me asas
um hierofante e
também o medo das alturas
com água, vento e fogo
foi sacramentada a
minha solidão

desse labirinto sépia que
é o ontem do meu tempo
às avessas palmilhado
restam cicatrizes no rosto
do coração ferido em ocasos
reminiscências de estrelas
pouco mais a ser levado

carrego comigo alguns
versos de memória
eu que me atenho ao
nexo das palavras
mão nenhuma presa à minha
e ainda a própria sombra
que ora se me esquiva
se foge de mim o sol

o tempo e seus anelos


"Jardim Florido", Vincent van Gogh

o calendário ansiava
a primavera
tempo era de libertar
a beleza da clausura
das torres do inverno

transposto o fosso
das estações
setembro que chegasse
entre cores levadiças
revivendo girassóis

cavaleiro andante
o sol delegou a mim
cultivar flores
sobrevindas
semeando poesia
pelo chão

rapsódias do fogo


"Mantiqueira", Henrique Coutinho

descuidado o sol
deixou a paisagem
incandescente
já que ainda acesas
suas brasas
em meio à turba de asas
que nas distâncias
submergia

ali na tarde eu via
um dos meus desatinos
em rapsódias que o
coração não cessava
sempre que ateadas
antepassadas feridas
exumar amores
lidar com fogueiras
adormecidas

6 de setembro de 2008

sem as bençãos de Netuno













"Barco na maré baixa, Fécamp", de Claude Monet

pelos rochedos
estilhacei ondas
das aves orquestrei
a debandada
ungindo com o sol
mais de uma enseada

destinos ordenei
aos barcos
os ventos dispus
em quadrantes
à paisagem dei azuis
acrescidos de rompantes

no cais sonhei com quem
não e nunca me quis
enquanto o mar soçobrava
entre o amor e seus anis

antes fronteiriças que luminares


"Mesa em frente à janela", Pablo Picasso

seja a estrela ao horizonte
sobrepondo-se
nascente o dia ao leste
ou a pétala pelo vento
sequestrada
o que por elas entra ou
o que sai e vai embora
tudo faz delas liame
entre meu mundo e
o universo lá fora

as fronteiras da casa é
de lei que são as janelas
se por insone ou triste
ao certo não sei
não tenho visto sonhos
escapulindo por elas

5 de setembro de 2008

para quem faz tanger a minha lira




não vim das Plêiades
porém qual Mercúrio
trouxe minha lira
arauto que sou
de sete cordas
e se paro aqui não é tanto
pelo que corri alvissareiro
o orbe que num átimo
circunavegado

mas para com meu
capacete alado reverenciar
quem me impõe tão
célere o coração
e as sandálias minhas
também descalçaria
para tocar o mesmo chão
que recebe os teus pés

4 de setembro de 2008

muitos quadrantes depois


"Menina com barco", Pablo Picasso

quisera o teu amor
mas naves mercantes
desviaram nosso encontro
era outra a rota dos mares
no assinalado do mapa
do teu coração

mareante que pouco sabia
do teu império
para moeda de troca
eu guardava apenas
uma estrela
na palma da mão

arcanos lunares


"A lua", Tarsila do Amaral

assim a lua é símile
à solitude de um veleiro
funambulando na bruma
fracionada quase ao meio

serial então ela ruma
elíptico dela o enleio
e mais dia menos dia
propor-me-á uma questão

quando ela for plenilúnio
eu que já tive momentos
mais constelados
continuarei no rés-do-chão

3 de setembro de 2008

do meu caderno de viagens


"O anjo ferido", Hugo Simberg

ávido de azuis
com os olhos desenho voos
pelo que longe e sempre
acima de mim

anjo sem plumagem
rastejo quedas
mortal e tão reles
que nunca querubim

prefaciando a chuva


"Nimbus", Henrique Coutinho

dos nimbos o rufar
mostrou-me do azul a ira
por meus olhos de tantos
outros céus colecionados

ali onde asas encenaram
festejos e ritos
não mais um porto
para celebrar
suspensa que ficava
assim a tarde

eu que sofria a amplidão
bateia nas mãos
apenas procurava o sol
garimpando sonho
algum que restasse