23 de outubro de 2008

no silêncio que entremeava a manhã



"Paisagem em Auver na chuva", Vincent van Gogh


o desencanto não faz versos
diz-me na celebração da primavera
o coração assim cerceado
pois nenhuma mísera palavra
retive no esconderijo das mãos
desde que o dia se fez começado

a poesia na bruma a se esconder
em escombros os castelos meus
nenhum moinho então por mover
hoje tudo traduz o que é desalento
se percebem fugaz a areia dos sonhos
saberão cruéis os passos do vento

19 de outubro de 2008

cantiga para um rio de inúmeras margens


"Mulher na janela", Pablo Picasso

para Márcia Maia

um orquidário de versos tua
poesia por uma lira acalentada
assim em sexteto executada
mais redemoinhos, sóis e altiplanos
a palavra espreitando oceanos

atando pétalas ao cotidiano do
que medra em circunstância
seja a estrela celeste ou do atol
lua e amor em quarto crescente
a pedra da rua ou o azul lençol

espelhos, rios, varanda e entreatos
dias santos ou encantos do pecado
tudo no teu canto, tudo faz pensar
que o gris deve sempre ao irisado
ceder tanto a vez quanto o lugar

encontro ainda breves adagios
e mais do que a tarde abreviada
para além de sombra e catavento
o que fere e o que acalanta
e um girassol que se agiganta

12 de outubro de 2008

solfejos matinais para Assis de Mello


"Cisnes refletindo elefantes", Salvador Dali

não trompete a mim
definir se você Salvador
daqui ou de acolá
ante a surrealeza dessa verve
poesia de estalactites que
respinga alumbramentos
e ressoa tríades dignos
da Guimarães prosa

Isabelas sistinas, pedras
ruínas de verões andarilhos
serpentes, domos, pomos
naturezas tortas e assentes
lesmalucas ou mesmo
o dia que se ancora em
estrelas camulfladas
são a gênese dos sete dias
da sua criação

diria que seu céu abobadado
não é mais azul renitente
se assim belo e violáceo
daí resulta que mais e só
importam seus versos
sacrílegos sobre telas

ou as aves que dançam balelas
enquanto férteis os nimbos
se exaltam e se acumulam

11 de outubro de 2008

a tecelã em quem eu me enrodilhara


"O Sonho", Pablo Picasso

Para Diva Paiva

inútil me esquivar da mão
que estende do novelo o fio
quando não mais sei o que
manhã ou labirinto
se a vida é fábula ou mito

desvendando quadrantes
qual Ariadne vem você
me segredando à meia voz
quão simples o que a mim
negaceia como trigonometria

Minotauro aturdido
no centro da arena ouço
da mais bela exegeta
que o amor é tão somente
o sol que varre intempéries

a brisa que sine qua non


"Nuvem de Cobre", Henrique Coutinho

há muito que trago
as asas quedadas
o coração em surdina
do horizonte fiz
então cidadela
o verso meu tem o
recato da solidão

desde que passem
ventos certeiros
de um amor a mim
endereçado
recolherei murmúrios
de pétalas
ou quem sabe revérberos
de estrelas pelo chão

10 de outubro de 2008

a quem me desperta para sonhar


"Head", Pablo Picasso

Para Diva Paiva

neste arquipélago da
solidão que me ilhara
eu que não ousei dos
mares a travessia
pergunto quanto dista
o azul que nos separa

ouço das salamandras
que afins que são
amor e fogo se conjugam
no quanto irradiam
cúmplices do sol e do ar
feito mantra e pentagrama
ou como cores no tear

estrela que não alcanço
vislumbro você assim
primavera que há
pouco começada
o que o coração meu
ainda não cumprira
a esfinge não desvelada