27 de maio de 2008

minha Charlotte Rampling













"Retrato de Marie-Thérèse", de Pablo Picasso

antes em sete
no quarto do flat
com quatro cores
o arco-íris se fez

azuis ocelares
ouro em fios
mais mucosas rosas
na branca tez da nudez

lacrimarum











"Campo com papoulas", de Vincent van Gogh

não é isento de emoção
da flor o despertar
amanhecendo em vermelhidão

mais que a cor de sangue
para quem quer que veja
estão nas pétalas que se abrem
pérolas que o orvalho lacrimeja

26 de maio de 2008

blanc, rouge et rosé











"Natureza morta com pote, garrafa, copos e frutas", de Paul Cezanne

não é mister pisotear
como as uvas as palavras
ou apressar-se para delas
extrair o melhor sumo
que em seu natural rumo
recende sutil bouquet

pois que difere a poesia
dos processos do vinho
na faina de sua obtenção
embora ambos embriaguem
após sua maturação

que espere Baco então
repousem meus versos
nos tonéis do tempo
justo é o passar dos anos
aos que de melhor safra são

25 de maio de 2008

Abaporu














"Abaporu", de Tarsila do Amaral

quão grande o pé no chão
e distante o cérebro
pequenino:
uma antropofigura
desnudescansa
sob o sol a pino

cores e traços deformatizam
intensifirma-se do humano ser
aguda visão
enquanto um cactostenta
o bioma da caatinga
em meio à azulidão

barroca (a tre)












"O violino com café", de Pablo Picasso

o violinorteava
harpiscordes
e a sonata oboera

nauticarta ou pedindo os préstimos de Colombo









"Paisagem em Saintes Maries de la Mer", deVincent van Gogh


no oceano do amor
meu coração leviatange
naufrágios
sem direito a istmos
ou estreitos

e quando a paixão aventa
não há sextante
ou um só instante
que me livre da tormenta

ultrapassados os cinquenta
haverá tempo para
um curso de genovegação?

ao setentrionorte do reino uníssono










"Tocador de flauta dupla e nu", de Pablo Picasso

escocena:
quem em saia
toca gaita de fôlego

Das Lied Von Der Erde












"Gustav Mahler", de Emil Orlik


nada mais sei
que são canções
da terra
em indecifrável hieroglífica
fala germânica
em lírica trama orquestral

mas até ouvidos moucos
dirão que são
do belo a voz exata

então, Gustav Mahler
fica aqui o meu recado:
sua música, mais
que sublime
redime e salva

taurus na paisagem











"Paisagem com Touro", de Tarsila do Amaral


um sem número de horizontes
verde chão convexo
e entre eles situado o casario
de janelas de azul quadricular

eventuais cercados
diversa flora singular
reina alvo o solitouro
rubras aspas seu coroar

Operários (ainda Tarsila)










"Operários", de Tarsila do Amaral

no paulicenário
elevam-se arranha-sóis
e monólitos fabris
de hálito gris

tece seu fabulário
de credos e degredos
um clã de proletários:
como que pedra sobre pedra
rostos sobrepostos
sob azuis bandeirantes

mosaico de itinerantes
assim medra degrau a degrau
a pirâmide facial

Paulo Autran














"Théâtre Molière Sainte Roulette", de Pablo Picasso

clap, clap, clap
silencio aqui minha
onomatoplateia

um deus dormiu aqui
e após o sopro do noroeste
o céu não pode esperar:
serão autores em busca
dos personagens, Zeus

vai em paz, Paulo
quixotelo
jamais avaro em
seu talento
é findo o jogo

leva teu reinado Lear
a outros mundos
viajante do agora e sempre
e nunca mais caixeiro

antroxifopagia










"Antropofagia", de Tarsila do Amaral


sol cítrico e pictórrido
caricactus e bananeira
ciclope salta um
seio à dianteira

exacerbrada tudo
o que se diz forma
curvilinhas e espectro abrasacor
acasalado a lado, sem ornato
sui gêmeo o duo se mantém

e o que é de quem
pernas, pés, o próprio tato
se confunde e desafia
em civil estado de amalgamia

paulicena desgarrada (pré-metroviária)










"Gare Saint-Lazare", de Claude Monet

outro jeito não trem:
quem não vai jaçanantes
das onze horas
adoniranda na garoa

Tarsila, sol permanente










"Sol Poente", de Tarsila do Amaral


amarelocêntrico
ecoa em semicírculos
um sol estilizalvo
que horizonta seu voo
em tom primário

formalizam o cenário
despojamento, azul
verde e caricata flora
e de tão poente
esta tarde não demora

24 de maio de 2008

de Homero e de amores













"Ulysses e as sereias", de Pablo Picasso

dar ouvidos às sereias
custou-me uma odissérie
de naufrágios
do bater às portas do Hades
até a perda de Penélope

basta da fúria de Poseidon
a Atena peço agora um sono lótus
sou olho cego de ciclope
falta-me physique du rôle
para ser Ulisses neste mar

arcadian revival ou coisas de João Gilberto













"Natureza morta com guitarra", de Pablo Picasso


o zéfiro do ar condicionado
desafina a minha lira

bossa in Rio (Rodrigo de Freitas hall)













"Arlequim com guitarra", de Pablo Picasso

registro de um cisnegrafista:
na beira da lagoa, gansolando
João marrecanta sincopato

eu, Portinari e os campos de arroz











"Espantalho no Arrozal", de Cândido Portinari

semeado está o campo
na paisagem prospera
a solidão
o sol mal se declara
não há asas de quem
espantar:
tão-somente verde e
nunca vendaval

braços sobrestados
fica inanimado ele lá
rota escultura cinzelada
a óleo e pincel
crucificado e mudo
em seu gólgota campesino
qual anônimo cristo
em meio ao arrozal


cânone estético para versejadores










"Vaso com oleandros e livros", de Vincent van Gogh

escrever felizmente
não exige operações
de aritmétrica

basta ouvir a vida
mezzosoprar
e assoviar no mesmo tom

Luiz I, baião rex













"Noite de São João", de Cândido Portinari

o imperador do som do fole
tanto falava ao corpo que bole
quanto às almas em séquito
na cena da caatinga

sanfônico (em concertina)
narrava Gonzaga a saga
da sina nordestina

vendo através de Vincent













"Terraço Café à noite", de Vincent van Gogh

sob o azul constelado
do espaço
o Terraço Café:
garçon em pé
personagens e mesas
do anonimato
um casal que chega
em stacatto

pedras, janelas, luzes
um rumor de arvoredo
eis ali a Place du Forum
em meio às sombras
da silhueta citadina

e mais o amarelo
(chancela de quem
a tela assina)

dorivaneios











"Jangada do Nordeste", de Cândido Portinari

uma artesanave
oceanda
jangaderiva
e burlavento

Nove Bachianas Brasileiras ou tributo dissonante a Villa-Lobos











"Violão e passas de uvas", de Pablo Picasso


se a flautateia fagotecendo
o pianorteia e orquestraduz
preludizeres
aqui o que violoncela
bachianda
sopranoscula cantilendas

arte afromarcial













"Capoeira", de Carybé

da capoeira a roda
é humana mandala
onde ao centro em duo
se gingolpeia e dança
e quem o arame tange
tudo berimbala

eternamente Pessoa












"Retrato de Fernando Pessoa", de Almada Negreiros

guardador de
livros e rebanhos
quantos foste não sei
tão incerta é esta
matemática

mas ouço em mim
o eco de tua lira
erma e arcana
e o que a palavra
tua alardeia
no meu peito corre rio
e vira aldeia

gatogravura









"Gato devorando pássaro", de Pablo Picasso

elegance é sua
primordial felinuance
mesmo que isso soe
e soa mesmo siamesmice

ele que tailandescende
elasticoleia o corpo
ton sur ton marrom
em seu siaesmo ronrondar
olha bleu e desafia

na libidança (ao notivagar)
não canta em dó ou ré: mia

partitura ou um aforismo incontestável













"Violão, partitura e jornal", de Pablo Picasso

qual um maço
de dinheiro
um acorde é feito
de notas empilhadas

carnavalsa


"Pierrô, Arlequim e Colombina", Di Cavalcanti

você não colombina
comigo
impávida ela me diz

o entrudo desmarcha:
fico eu pierroto
como nunca arlequis

catedral do Bom Jesus



















um par de torres
sinos, arcos e vitrais
mais descompasso
de relógios
arrulhos de pombos
e fiéis por alvejar

ah, e a escadaria
que ao contrário do altar
alberga sem cobrar

marinha











"O mar em Antibes", Claude Monet

onde sobrevão gaivoltas
o sol soslaiva sal anil

ali já naufragatas
agora a água onzula:
movimento (mar é)

panegírico ocasional a Pablo Ruiz Picasso












Autorretrato de Pablo Picasso

estridências de cores
traços primevos
Pablo faunonírico conjura
monstruousadias
iconografando o
mítico, a metáfora

geometrizando, decompondo
sua arte eleva ao
cubo, surrealiza
blasfema e dilacera

Norma Jean












"Marilyn", de Andy Warhol

Marilyn blonde angel
tem este tributo
décadas de atraso
mas o amor não tem
prazo para acontecer

nós, ambos estamos sós
você lendária entre lençóis
eu ante fotogramas em
preto & branco paginados
reverenciando a nua
revelação

sim, Norma Jean
só muitos sóis após
os dias da criação
veio enfim a perfeição
que Deus quis
ao conceber seu sorriso estelar
ao delinear os seus quadris