31 de agosto de 2008
eu que não Narciso
"O Mito de Narciso", de Caravaggio
no lago contemplado
não me encontro
se miro dele o espelho
vejo-me sol eclipsado
a luz do lado do avesso
perscruto então
as estações
no outono me reconheço
qual abismo de verões
e primaveras
eu que sou tão fim e
quase nunca começo
24 de agosto de 2008
em Minas navegar
"Vale", Henrique Coutinho
horizontes de cobalto
confinam segredos
barrocas memórias
de ricas vilas
silêncios e clamores
do inconfidente lutar
da outrora capitania
não mais veredas do ouro
já que idos impérios e sóis
restam páginas de um
ideário então nascente
a liberdade que urgia
a forja incandescente
de poetas e heróis
nessa Geraes tão
artífice da história
sem um oceano onde
eu pudesse navegar
em minha vida inglória
fiz dos sonhos meu barco
deste chão meu eterno
e único mar
23 de agosto de 2008
dos oceanos de outrora
"Barcos de pesca na praia", Vincent van Gogh
onde passaram navios
e sonhos tantos
agora nenhum velame
ou um mero barco
o mar que eu carregava
nos olhos
há muito que secou
hoje meu olhar
mais que continentes
vê desertos do convés
a solidão, suas dunas
meus desencantos secretos
eu errante a noroeste
lendo amores de viés
21 de agosto de 2008
no jardim de Chronos
"Primavera em Giverny", Claude Monet
adeus agosto fronteiriço
diz a meus olhos já sem viço
o coração vazio de anelos
chegará a estação sobrevinda
a seu modo a primavera
registrará o tempo ainda
não a átimos de ponteiros
mas com primícias da florada
ampulheta de cores e não
um continuum de areia
pétalas que irão embora
como versos que a dor semeia
quando a vida não aflora
20 de agosto de 2008
mea culpa, xadrez e horizontes
"O poeta", Pablo Picasso
por ter o passo enrodilhado
não me apropriei das alturas
nos cimos não fiz morada
nem também soube buscar o sul
faltaram-me não só as asas
para pássaro ser no azul
abandonar antigos ninhos
eu que tão ao chão condenado
eu que nada, nada fiz
eu que tanto quis ser como
o sol enquanto ave de fogo
agora sou apenas um velho rei
uma peça fora deste jogo
19 de agosto de 2008
deste inverno quase nada
"Paisagem de inverno", Wassily Kandinsky
deste inverno
levarei quase nada
aquarela de frios dias
solidão de quem fica
ante um céu de aves
em debandada
como a natureza que
às flores da primavera
há muito renunciara
o coração coleciona
ausências semeadas
travo de acenos num
cais sob lua clara
feito estátua eu assim
palimpsesto de mármore
como quem nada espera
como quem tudo perdera
e com o vazio se depara
versos para Graça Pires
"Mulher com livro", Pablo Picasso
deram-te os deuses
a palavra encantada
as prerrogativas da pétala
o insurgir da madrugada
tecelã de tardes e oceanos
ensinas a não desdenhar a brisa
num credo onde o amor é irisado
o plenilúnio parte da jornada
é teu o ofício de legitimar primícias
descrever os périplos do sol
por mais que cinco continentes
mesmo que more ele em tua casa
agora sei que foram sempre tuas
todas as estrelas que eu mirava
15 de agosto de 2008
quadruplicando Ubatuba
"Ubatuba quatro vistas", Carlos Herglotz
uma azul janela
vidraça para o tempo
poderiam ali estar
quatro estações
ou do dia quatro estágios
mas é outro o adagio
pois que barcos em procissão
flora, céu e litoral
povoado de sol e sal
casas e casas de então
uma matriz igreja
a capela amarela
da fé abrigos que são
mais a serra que festeja
o tão presente mar:
apenas quatro cantos de Ubatuba
se outros tantos por mirar
Minas naif
"Minha querida Minas Gerais", Carlos Herglotz
tão breve o vilarejo
dessa Minas panorâmica
onde tudo é primavera
já que de flores feito o chão
ali aos céus sobe a igreja
da serra os azuis também vão
cores outras constroem o casario
na terra segue solta a criação
escutar se pode ou o que é
trote, sinos ou mesmo passos
entre silêncios tantos do cenário
certamente que lá ainda se reza
e a beleza impõe o breviário
oráculos, pitonisas e oceanos
13 de agosto de 2008
de continentes perdidos
"O navio de escravos", John Wiliam Turner
com suas linhas de sal
machucou meu rosto
o tempo ido
mais do que faria o sol
se eu zarpado vida adentro
aferrei-me à terra
no medo ancorado
navegando não vislumbradas
enseadas
perdido foi o encalço dos ventos
quando o mar olha-me sem fim
pergunto-me como pude ser
tanto, tão náufrago de mim
10 de agosto de 2008
um poste nas cercanias do imaginário
após o nascimento ao leste
sobre a estação que se avizinha
9 de agosto de 2008
em Santo Antônio do Pinhal
3 de agosto de 2008
além da semeadura
olhando lírios no campus
2 de agosto de 2008
da poesia de arcas e ilhas
"Orpheus", de Paul Duqueylard
Para Alexandre Bonafim
tua é a palavra
constelada
constelada
teus
os solstícios
anjos,
oceanos
e
presságios
azuis
todos e trigais
também
é tua a lira
que
tange outonos
e
eternidades
do
amor coadjuvando
tardes,
impérios
cópulas
e madrigais
urbano
Orfeu
de
primaveras e moinhos
nas
adjacências do
verso
teu
orbita e viceja o sol
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